Idealizadores, Vídeos

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Racismo na Europa

Belo texto que mostra como o racismo é muito mais do que a relação de preconceito étnico entre negros e brancos. Aqui mostra-se como os ciganos foram e são perseguidos na Europa, onde legaram uma série de elementos culturais, mesmo sendo a menor etnia da região.

(Pesquisa realizada por Rita Ueda)

Extraído do site:http://port.pravda.ru/news/sociedade/19-04-2013/34526-racismo_europa-0/

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Racismo e Perseguição na Europa

Assentados na Europa desde os alvores da alta idade média, ao redor do ano 1400 de nossa era, os ciganos constituem a maior minoria étnica do continente e também a mais perseguida, vítima de preconceitos, discriminação e maltratos.


Sua presença ao longo do tempo é inegável e mostra-se em várias manifestações artísticas, como a música, a pintura e a literatura, mas a percepção da sociedade sobre este grupo humano está permeada por uma série de preconceitos, errôneos a maioria deles.


Influem nisto vários fatores, como as incógnitas sobre sua origem, seu isolamento e sua negativa a aceitar outras normas de vida que não sejam as próprias.


Sabe-se que partiram de algum lugar do norte da Índia, possivelmente fugindo das invasões mongóis e muçulmanas, e depois de 600 anos chegaram ao Bósforo e dali ao sul da Grécia, numa região chamada o "pequeno Egito". Uma das teorias sobre seu nome reforça esta hipótese pois ao chegar a terras da península ibérica foram denominados como "egiptanos", palavra que derivou na atual designação de "gitanos", ainda que entre eles se definem como "roms" segundo seu próprio idioma, o romani.


Sua indocilidade a acatar as autoridades locais, sobretudo as rígidas normas religiosas da época, e o caráter transumante fizeram que lhes começasse a imputar todo tipo de males associados a sua presença, como roubos, mortes, desaparecimento de crianças e até doenças e más colheitas.


De fato, Victor Hugo escandalizou à sociedade francesa do século XIX com seu romance Nossa Senhora de Paris, onde atribui valores morais aos ciganos e responsabiliza, em troca, pela atroz morte da protagonista feminina, Esmeralda, à turva conduta do arquidiácono Claude Frollo. Outro tanto fez em Londres Arthur Conan Doyle, quem dá um tratamento digno aos roms em seu romance A Faixa Malhada.


Fora estes e outros poucos casos, a realidade é que os preconceitos contra os ciganos se foram acumulando durante séculos no imaginário popular, o que provocou, por sua vez, um maior isolamento entre estes grupos. O século XX não fez senão aumentar os males destas comunidades em solo europeu, sobretudo na medida em que se fortaleceu o regime nazista e suas teorias sobre a pretendida pureza da raça ariana.


Em 1934 começou-se a praticar a esterilização de roms por meio de injeções ou castração na Alemanha e quando estourou a guerra lhes concentrou em campos de trabalho e extermínio, como Dachau, Sachsenhausen e Buchenwald.


Durante a madrugada de 3 de agosto de 1944 três mil homens, mulheres e crianças dessa raça que ainda estavam em Auschwitz-Birkenau foram assassinados nas câmaras de gás e incinerados. O holocausto cigano é pouco estudado e desconhece-se o número exato de vítimas, mas especialistas assinalam que essa população ficou reduzida a menos da metade no final do conflito, quando suas condições de vida também não melhoraram.


Sua existência passou despercebida durante o processo de construção da União Europeia (UE), que ocupou boa parte da segunda metade do século XX, e a princípios do século atual lhes mantém à margem dos benefícios sociais e políticos destas estruturas.

A maior parte dos 10 milhões de ciganos na UE são cidadãos de países membros desse mecanismo, mas pertencem a uma espécie de segunda categoria, estão fora do chamado "estado de bem-estar", e carecem de emprego, saúde, educação e liberdade de mobilização.


Talvez de maneira involuntária a França contribuiu a que se atentasse sobre eles quando o ex-presidente Nicolás Sarkozy (2007-2012) aplicou uma política de expulsões em massa, que provocou uma onda de reações adversas em todo o continente.


Ainda que a pressão externa tenha obrigado o governo galo a frear essas medidas, a situação no interior do país tornou-se a cada vez mais precária e não mudou com a chegada das novas autoridades em maio de 2012. A 21 de março deste ano, a Comissão Nacional Consultiva dos Direitos Humanos assegurou em seu relatório sobre racismo e xenofobia que "mais ainda que os muçulmanos, os roms migrantes sofrem de uma imagem extremamente negativa".


Segundo um questionário feito pela entidade, uma ampla maioria de franceses tem um mau conceito destes grupos, sem conhecê-los a profundidade. Organizações humanitárias assinalam que, ao expressar sua opinião sobre esta comunidade, a população ignora ou evade o tema da proibição de lhes dar trabalho, os obstáculos para inscrever seus filhos nas escolas ou as consequências da constante destruição e desalojamento de seus acampamentos.


A cada vez que são expulsos de um lugar, as crianças perdem sua vinculação docente e os doentes, muitos com padecimentos crônicos, interrompem seu tratamento com severos danos para sua saúde. O agrupamento Romeurope chamou a brindar-lhes maiores oportunidades aos membros da etnia e destacou o caso da jovem Anina Ciuciu quem, de deambular de menina pelas ruas de Lyon, conseguiu ingressar no ano passado à Sorbonne graças ao apoio de várias pessoas.


Segundo os especialistas, será impossível conseguir a inserção efetiva dos ciganos à sociedade, se dantes não se rompe a corrente histórica de preconceitos e discriminação, e lhes abrem as mesmas possibilidades que ao resto da população europeia.

Racismo nos EUA

Caso recente que expressa como ainda é forte o racismo nos EUA, como seus cidadãos ainda não tem essa questão resolvida em sua sociedade, mesmo tendo uma constituição escrita tanto por Brancos como por Negros.

(Pesquisa realizada por Regina Trabach)

extraído do site: http://revistaforum.com.br/blog/2013/07/racismo-eua-4-de-julho-espero-que-voce-nao-passe-esse-tipo-de-ignorancia-para-os-seus-lindos-filhos/
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Racismo, EUA, 4 de julho: “Espero que você não passe esse tipo de ignorância para os seus lindos filhos”

O voo que tomei para visitar minha família no feriado foi uma experiência dolorosa e aviltante. Eu tinha que dizer algo. Mas o quê?


Britney Cooper relata sua experiência

Embarquei em um avião quarta-feira de manhã, em uma corrida desenfreada de Jersey até a Louisiana para passar o feriado de Quatro de Julho com minha família. Tenho plena consciência da miríade de contradições envolvidas no fato de uma feminista negra radical ser uma entusiasta desse feriado. O Quatro de Julho, para a minha família, representa menos uma narrativa estadunidense de liberdade e justiça para todos (um ideal nunca plenamente realizado) do que um momento em que nos reunimos para desfrutar da companhia uns dos outros, fazer um churrasco no calor do verão da Louisiana e, através da mais pura alegria e celebração, oferecer uma pequena mas significativa versão alternativa sobre como nos emancipamos.

Mas a natureza complexa destas viagens de volta para casa geralmente se revela quando a agente de segurança do aeroporto decide que é necessário passar os dedos pelo meu penteado afro, em busca de “armas” não-identificadas. Desta vez, surpreendentemente, isso não aconteceu, e deixei escapar um suspiro de alívio quando a passagem pela segurança transcorreu sem incidentes.

Na fila de embarque, bem à minha frente, estava uma bela e tradicional família nuclear. A mãe era alta e deslumbrante, e tinha dois lindos filhos com cerca de 10 e 7 anos. Por algum motivo, eles tornaram-se objeto de minha atenção enquanto eu embarcava. A mãe gentilmente admoestava o menino mais velho a ler o livro de férias, certificando-se de que seus exercícios estariam disponíveis a bordo.

Enquanto embarcávamos, reparei que esta mãe e eu sentaríamos na mesma fileira, eu na janela e ela no centro. Enquanto aguardávamos a decolagem, terminei de escrever uma mensagem de texto e pedi à aeromoça um extensor de cinto de segurança, o melhor amigo do passageiro gordo. Então, bem no momento em que ouvimos o aviso para desligar os telefones, olhei para o lado de relance e ela ainda estava digitando uma mensagem de texto. Pesquei algumas palavras ao final da mensagem que me fizeram olhar com mais atenção: “tô no avião, sentada do lado de uma preta fedida [nigger] e balofa e a perna dela tá encostando na minha. Que sorte que eu tenho.”

Parei de respirar por um momento.

Então, senti dor. Humilhação. Constrangimento. Raiva.

Ainda me lembro da primeira vez em que fui chamada pela palavra “N”. Foi por volta de 1988, eu estava na terceira série. Minha colega de classe, uma pobre menina branca chamada Vicki, decidiu terminar uma briga infantil gritando “Sua PRETA FEDIDA [dirty nigger]!” Eu, na época com sete ou oito anos de idade, fiquei perplexa. E permaneci em silêncio. Nunca ouvira aquela palavra usada daquela forma antes. Não sabia o que significava. E, ainda assim, senti sua força e sua conotação cáustica de forma visceral.

Naquela mesma noite, me aproximei de minha mãe na cozinha enquanto ela servia o jantar, e perguntei: “O que significa a palavra ‘nigger’?” Antes que ela pudesse responder com palavras, simplesmente registrei sofrimento em seu rosto. Olhando retrospectivamente, vejo aquela dor como a dor de um pai ou mãe que se depara com o alcance inevitável dos problemas de outras pessoas, contra os quais você não pode proteger o seu filho. Era também a dor de uma mãe negra deparando-se com a inevitabilidade do primeiro encontro de uma criança com o racismo. Depois de perguntar por que eu queria saber, ela disse simplesmente: “Significa uma pessoa ignorante”.

Hoje, quando fui chamada pela palavra “N”, parte de mim sentiu-se como aquela menininha de novo. Senti o insulto de forma igualmente visceral, o pressentimento terrível de que havia algo de errado não com qualquer coisa que eu houvesse dito ou feito, mas algo de errado comigo, simplesmente. Imediatamente, senti-me extremamente vulnerável e insegura – olhei ao redor, sentindo-me marcada, pensando se os outros estariam achando meu corpo grande e minha pele escura tão desagradáveis quanto achava minha vizinha de fileira.

Sei que sou gorda. E fico especialmente apreensiva com isso em aviões, já que me preocupo em ocupar muito espaço. Na minha imaginação, sempre penso que as pessoas vão odiar ao me ver chegando, pois os americanos levam muito a sério o espaço pessoal. Não sou exceção a esta regra.

Ainda assim, eu estava completamente consciente, pelo menos em um nível intelectual, de que o problema era dela e não meu. Mas qual seria a minha reação? Embora ela mesma não fosse nenhum palito, era uma senhora branca, mãe, com filhos e um marido – todos os sinais de respeitabilidade da classe média americana. Além disso, ela escrevera aquelas palavras em uma mensagem de texto particular. Sou uma mulher gorda, negra, de pele escura. Se eu tivesse armado um escândalo e resolvido a questão como ela merecia, é bem provável que eu tivesse sido vista como uma ameaça terrorista. Especialmente na véspera do Quatro de Julho.

E este é o problema com feriados americanos: frequentemente eles mudam o foco e confundem a narrativa, de modo que vilões são vistos como benfeitores e vítimas são vistas como agressores. O Dia de Ação de Graças, em que o país comemora o genocídio de nativos agradecendo por gerações de riqueza construídas a partir do saque de suas terras, é um bom exemplo. O modo como os feriados americanos naturalizam as violências rotineiras que deram origem a esta república faz com que feriados como o Juneteenth, o dia em que comemoramos o verdadeiro fim de toda a escravidão nos EUA, sejam tão necessários.

O que, então, eu poderia dizer? Algo. Eu tinha que dizer algo. Mas o quê?

Comecei compartilhando as palavras dela em uma atualização de status no Facebook – em parte porque, recentemente, eu vira demasiados amigos, negros e brancos, prontamente defendendo Paula Deen, argumentando que seu uso da palavra “N” era o resultado compreensível de suas raízes sulistas, e seguramente um resquício de uma era passada.

No entanto, aparentemente esta jovem família, em que os pais pareciam ter trinta e poucos anos, era de um estado do norte. Então, depois de esperar um pouco e conter as lágrimas que brotaram logo que vi aquelas palavras, simplesmente chamei sua atenção e pedi-lhe para ler o status do Facebook em meu telefone.

Ela viu, emitiu uma espécie de grunhido de assentimento, e não disse nada. Então prossegui, em um tom de voz baixo: “Só quero que você saiba que suas palavras foram ofensivas. E espero que você não passe esse tipo de ignorância para os seus lindos filhos.” Ela respondeu secamente: “Eu não passo.”

Passamos o resto do voo para o sul juntas, ela sendo uma mãe zelosa para os filhos, eu rezando para que as sementes de ódio que ela está plantando não caiam em solo fértil.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Racismo no Brasil

Belíssimo texto sobre a relação do homem negro comum com a contemporaneidade, escrito pelo mestre Salloma Salomão e publicado em seu riquíssimo blog Mosaico Negro, além deste texto vale a pena conferir as demais postagens. Grande portal para a compreenssão das questões ligadas ao negro na atualidade, do racismo à produtividade cultural.
http://mosaiconegrobras.blogspot.com.br/

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Fragmentos de uma palestra ocorrida na CASA DA LAPA (COLETIVO CULTURAL E ARTÍSTICO)

Coletivo negro- Sobre a busca do “homem comum” e da impossibilidade de visualizar um ser humano universal.
A pesquisa atual do coletivo negro é sobre algo que denominam “homem comum”. Penso que: A linguagem não é uma forma neutra de expressão de idéias.
O Coletivo é negro, e é um grupo de teatro composto por jovens que se autodefinem como tal. São negros, pardos e pretos para o IBGE. Certamente são descendente de africanos, pertencentes a um ramo específico da diversa humanidade e vivendo na metrópole paulista. Uma parte da nossa conversa então é condicionada por estes fatos:
A- Os africanos foram espalhados pelo mundo já a partir do século XV, em função da expansão do ocidente. B- O tráfico e o escravismo formaram o mundo que vivemos e nossos ancestrais foram arrebatados por este evento histórico, como coadjuvantes ou como vítimas.



Por isso nosso protagonismo é mito difícil e caro.
Essa nossa conversa tem tudo a ver com estética e menos com História. Por um momento vamos pensar a criação artística pode prescindir da História em nome da liberdade. Portanto se eu divagar um bocado, me perdoem, mas me parece que o convite gera margem a isso, devaneio, criação, fruição livre do pensamento e quem sabe em meio ao delírio criativo haja condições necessárias ao redimensionado dos nossos paradigmas cognitivos e culturais. Herdamos isso, sejam parâmetros racionalistas e cartesianos, sejam outras formas de pensar o mundo, advindas das culturas afro-indígenas (mas que temos grandes dificuldades para acessar).
Nas artes é possível plasmar um ser humano-síntese, como ficção, como metáfora ou alegoria e isso pode ser pensado e realizado sem cair na armadilha de supor este (humano ideal) seria encontrável em estado físico palpável, cuja tangibilidade exista em alguma realidade social.
Por que todos os seres humanos têm suas existências concretas amparadas, de uma maneira ou de outra, nas tramas social-cultural e histórica. Embora elas determinem quase todos os parâmetros de sua existência e sua identidade, a margem que sobra é preenchida por algo que torna cada um uma alteridade em si. Essa pequena porcentagem de autoconstrução se situa em um campo indeterminado, é uma zona de sombra, onde mora o desconhecido, onde reside o mistério, o erro, o imprevisível e o acaso. Antes, porém, queria tomar as palavras que estão utilizando para chegar seus limites semânticos, já que dramaturgia, nos moldes que conhecemos somente se torna efetiva, sobretudo, quando há palavras e corpos em cena. Ou então é apenas literatura, uma a narrativa específica, mas literária. O teatro depende do empréstimo de corpos e hálitos para se materializar.




A palavra homem, ainda é capaz de sintetizar todas variáveis do gênero humano?
Quando falamos homem como sinônimo de humanidade não reiteramos o gênero masculino como norma e reificamos a posição de superioridade do masculino?
Nossa busca é pelo homem comum, o pelo ser humano ordinário de qualquer gênero?
Estamos em busca do ser humano “típico” que vocês denominaram homem comum? De onde nasce a idéia da existência de um “homem comum”, e o que ela significava no contexto do seu surgimento?
Será que existe um ser humano capaz de resumir em si, toda experiência e complexidade de um grupo humano?
Algumas correntes teóricas advindas do pensamento ocidental, que fixaram o estudo dos grupos humanos diriam que sim.




Algumas linhas do pensamento Antropológico, Sociológico, Psicológico teriam acreditado piamente, que era possível deduzir todas as variáveis dos comportamentos humanos localizando e isolando os fatores comuns, as recorrências e normas e ao mesmo tempo desprezando o que poderia ser considerado incomum, extraordinário e atípico. Nessa perspectiva somente seres machos capazes de grandes feitos teriam as características a priori e necessárias para serem considerados heróicos ou geniais, por exemplo. Não estamos falando de arquétipos, mas de idealização.

Esses traços geralmente proviam do sangue, da raça ou da classe social. As narrativas sobre Homens Excepcionais podem ser encontradas em revistas de quadrinhos, bíblias, livros sobre militares, mas também em artigos, teses, monografias de pesquisas históricas, antropológicas e sociológicas, aos montes.
Não temos como prescindir disso, embora possamos submeter este legado a uma crítica cotidiana, uma desconstrução hercúlea, verificando e denunciando suas falácias, contradições e falsos pressupostos.
As figuras exemplares do passado recente, diferem das celebridades atuais por conta da longevidade. E embora esbarrem na quase mitologia, são de natureza distintas em função do suporte de difusão de suas biografias.


Nós podemos ir um pouco além do que celebridade para estudar o que efetivamente deve ser celebrado por nós, uma celebraçam pro exemplo contra a amnésia cultural. Também podemos fazer isso usando as ferramentas transformadoras que este legado eventualmente possa oferecer. Ao fazê-lo negramente conscientes também ser leiais a certas estratégias que os a intelectuais orgânicos diaspóricos desenvolveram nos últimos dois séculos. Falo sobre os usos das tecnologias da imprensa, da educação formal, da literatura, da música, das artes em geral para disseminação do que poderíamos designar “Consciência Negra”, nos moldes propostos por Stive Biko.
Contudo é necessário salientar que estas ferramentas de estudo e conhecimento das humanidades desenvolvidas no ocidente no auge da sua expansão, partilharam também um certo sentimento de masculinidade triunfante de orientação bélico-militar. Essa orientação plasmou uma arrogância étnica que podemos designar simplesmente, Eurocentrismo, etnocentrismo europeu ( Veja, Joel Rufino do Santos).
De fato existem fatores comuns que podem ser localizados em diversas sociedades humanas e coletividades humanas, digo em grupos nacionais, éticos e sociais ( ou classe se assim alguns preferirem). Refiro-me ao que C.G. Jun designou em “La Strutre de l’inconscient”. O conceito de inconsciente coletivo parece-me que diz respeito a isso.




As condições mais gerais de existência podem servir como fatores de equalização das atitudes, valores e comportamentos. Mas quais os lugares para as atitudes e comportamentos tidos como atípicos, desviantes ou anormais?
O pensamento de matriz judaico–cristã que tanto influenciou nossa visão de sexualidade por exemplo, reservou um lugar discriminatório para as pessoas de desejo sexual ambivalente. Hoje definidas como bissexuais. Esse comportamento tido para nós como atípico não foi encarado assim em todas as sociedades. A mitologia africana nos dá mostra da existência de outros parâmetros de definição de normas sexuais onde homessexualidade e ambivalência sexual não ocupavam um lugar de estigmatização.
Segundo o controverso estudo de Dean Travish, “O amor na África negra” , no mínimo, pode-se dizer que, os europeus colonizadores demonstraram grandes dificuldades em assimilar e compreender os costumes sexuais dos antigos Dahomey, Wolof , Lango e Tonga no que tange a homossexualidade masculina. Inda não há um estudo razoável sobre o impacto da moral judaico cristão sobre as práticas e simbolismo sexuais africanos. Dado natureza complexa desse tema na cultura ocidental contemporânea, mas no Brasil as pesquisas realizadas pelo antropólogo e ativista Luis Mott são as referências mais difundidas. Em outras palavras, diferentes culturas atribuíram diferentes valores a comportamentos afetivos ou sexuais semelhantes.
Divagando, mas voltando. É nessa trama onde nos encontramos, nós negros e índios, brasileiros mestiços, americanos do sul, vivendo nas beiras da metrópole, na geografia da antiga real província de São Paulo, por conta da colonização, do trafico negreiro e da escravidão, talvez apenas por conta dele nos tornamos “Herdeiros” da história, da memória e cosmovisão e das tradições ocidentais.
Alguns intelectuais ocidentais foram precisos na compreensão e desvelamento das estruturas de poder, mas nenhum mergulhou tão fundo na dissecação do Estado, dos saberes científicos, dos mecanismos modernos de coerção e subjugamento quanto Michel Foucault. Mas podemos ir além. Existem várias formas de normalizar e normatizar os comportamentos humanos em grupo: O pensamento religioso se apresentou como uma das suas formas mais recorrentes, duradouras e eficazes. A Igreja. A Família nuclear. A Justiça, A escola .
A Justiça- Outra forma de normatização é a jurisprudência, a lei, seja ela nas sociedades tradicionais e de base oral, seja nas sociedade contemporâneas, onde se fundamentam em textos legais em prescrições os constitucionais.
A escola- Colocar as crianças em um caminho detalhadamente traçado, onde se ensinam os comportamentos, nessa caso as instituições escolares, tem por prerrogativa formar dutos normativos de idéias e atitudes.
A cadeia. O manicômio e Morte tem sido as forma de controle social mais utilizadas, mas nem por isso eficazes.
A arte pode funcionar, e já história recente demonstrou essa possibilidade, como uma sonda capaz de antever e gritar alto para os incautos sobre o advento das tragédias humanas, os
holocaustos eventuais e duradouros. A arte por viver na beira da insanidade transita entre mundos. A arte contemporânea pode restauradora do humanismo.



Obvio que falo de uma instância criativa idealizada. Nunca no Brasil a indústria cultural foi tão sedutora. Quando os recursos financeiros eram distribuídos no balcão para meia dúzia de cineastas, fotógrafos, montadores de espetáculo, tínhamos que passar o chapéu e percorrer a periferia de em caminhão de lixo para fazer cultura em São Paulo. (Uma vez, lá pelo início de 1980, voltando de uma apresentação do nosso grupo de Música-Teatro “Circo Novessência” no Bairro de Pedreira, caminhávamos pela avenida principal, quando o motorista-lixeiro nos ofereceu uma carona na boleia. Nós optamos por viajar entre o chorume).
Qual o lugar do personagem masculino na produção do coletivo negro? Nossa pesquisa visa extrair um personagem de uma o mais personas? Quais termos são mais adequados e que conexões eles mantêm com diferentes áreas do conhecimento?
Indivíduo, pessoa, personagem, personalidade, caráter, individuação e individualidade. A arte é um exercício de conhecimento da realidade social? A arte é um exercício de auto conhecimento? Que compromisso deve ou não assumir o Coletivo negro no seu processo de criação e difusão? Estes compromissos, estéticos e políticos vêm de dentro do próprio grupo e de uma correlação dentro e fora, simultaneamente?

Salloma salomão Jovino da Silva

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Multiculturalismo

O texto à seguir é bastante completo no que diz respeito a discussão sobre as diferentes abordagens para se tratar o multiculturalismo e ainda traça um paralelo entre cultura e educação na perspectiva dos direitos humanos. É um trecho do artigo de Vera Maria Candau da PUC-RJ.

Este texto foi extraído do site à baixo:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782008000100005
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As diferentes abordagens do multiculturalismo

A problemática do multiculturalismo suscita grande polêmica no momento atual. Defensores e críticos confrontam suas posições apaixonadamente.

Uma das características fundamentais das questões multiculturais é exatamente o fato de estarem atravessadas pelo acadêmico e o social, a produção de conhecimentos, a militância e as políticas públicas. Convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu nas universidades e no âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais discriminados e excluídos de uma cidadania plena, os movimentos sociais, especialmente os relacionados às questões étnicas e, entre eles, de modo particularmente significativo, os relacionados às identidades negras, que constituem o locus de produção do multiculturalismo. Sua penetração na academia deu-se num segundo momento e, até hoje, atrevo-me a afirmar, sua integração no mundo universitário é frágil e objeto de muitas discussões, talvez exatamente por seu caráter profundamente marcado pela intrínseca relação com a dinâmica dos movimentos sociais.

Outra dificuldade para penetrar na problemática do multiculturalismo se refere à polissemia do termo. A necessidade de adjetivá-lo evidencia essa realidade. Expressões como multiculturalismo conservador, liberal, celebratório, crítico, emancipador, revolucionário podem ser encontradas na produção sobre o tema e multiplicam-se continuamente. Certamente são inúmeras e diversificadas as concepções e vertentes multiculturais. Muitos autores, tanto de perspectiva liberal quanto de inspiração marxista,3 que levantam fortes questionamentos teóricos e em relação ao seu papel na sociedade, não levam devidamente esse fato em consideração ou, quando o fazem, referem-se a aspectos mais superficiais, sem distinguir com maior profundidade as diferentes posições, ou fazem grandes generalizações.

Nesse sentido, considero imprescindível para avançar na reflexão que estou fazendo explicitar a concepção que privilegio ao tratar as questões suscitadas hoje pelo multiculturalismo.

Considero que um primeiro passo nessa direção é distinguir duas abordagens fundamentais: uma descritiva e outra prescritiva. A primeira afirma ser o multiculturalismo uma característica das sociedades atuais. Vivemos em sociedades multiculturais. Podemos afirmar que as configurações multiculturais dependem de cada contexto histórico, político e sociocultural. O multiculturalismo na sociedade brasileira é diferente daquele das sociedades européias ou da sociedade estadunidense. Nesse sentido, enfatizam-se a descrição e a compreensão da construção da formação multicultural de cada contexto específico. A perspectiva prescritiva entende o multiculturalismo não simplesmente como um dado da realidade mas como uma maneira de atuar, de intervir, de transformar a dinâmica social. Trata-se de um projeto, de um modo de trabalhar as relações culturais numa determinada sociedade e de conceber políticas públicas nessa direção. Uma sociedade multicultural constrói-se a partir de determinados parâmetros.

Dessa forma, é necessário distinguir as diferentes concepções que podem inspirar essa construção. Muitos têm sido os autores que têm oferecido indicações nessa linha e enumerado uma grande quantidade de tipos de abordagens multiculturais. No contexto do presente trabalho, vou-me referir unicamente a três perspectivas que considero fundamentais e que estão na base das diversas propostas: o multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, também denominado interculturalidade.

A abordagem assimilacionista parte da afirmação de que vivemos numa sociedade multicultural, no sentido descritivo. Nessa sociedade multicultural todos não têm as mesmas oportunidades; não existe igualdade de oportunidades. Há grupos, como os indígenas, negros, homossexuais, pessoas oriundas de determinadas regiões geográficas do próprio país ou de outros países e de classes populares e/ou com baixos níveis de escolarização, que não têm o mesmo acesso a determinados serviços, bens, direitos fundamentais que têm outros grupos sociais, em geral, de classe média ou alta, brancos e com altos níveis de escolarização. Uma política assimilacionista – perspectiva prescritiva – favorece que todos se integrem na sociedade e sejam incorporados à cultura hegemônica. No entanto, não se mexe na matriz da sociedade, procura-se assimilar os grupos marginalizados e discriminados aos valores, mentalidades, conhecimentos socialmente valorizados pela cultura hegemônica. No caso da educação, promove-se uma política de universalização da escolarização, todos são chamados a participar do sistema escolar, mas sem que se coloque em questão o caráter monocultural presente na sua dinâmica, tanto no que se refere aos conteúdos do currículo quanto às relações entre os diferentes atores, às estratégias utilizadas nas salas de aula, aos valores privilegiados etc. Simplesmente os que não tinham acesso a esses bens e a essas instituições são incluídos nelas tal como elas são. Essa posição defende o projeto de construir uma cultura comum e, em nome dele, deslegitima dialetos, saberes, línguas, crenças, valores "diferentes", pertencentes aos grupos subordinados, considerados inferiores explícita ou implicitamente. Segundo McLaren, "um pré-requisito para juntar-se à turma é desnudar-se, desracializar-se, e despir-se de sua própria cultura" (1997, p. 115).

Uma segunda concepção pode ser denominada multiculturalismo diferencialista ou, segundo Amartya Sen (2006), monocultura plural. Essa abordagem parte da afirmação de que, quando se enfatiza a assimilação, se termina por negar a diferença ou por silenciá-la. Propõe então colocar a ênfase no reconhecimento da diferença e, para garantir a expressão das diferentes identidades culturais presentes num determinado contexto, garantir espaços em que estas se possam expressar. Afirma-se que somente assim os diferentes grupos socioculturais poderão manter suas matrizes culturais de base. Algumas das posições nessa linha terminam por ter uma visão estática e essencialista da formação das identidades culturais. É então enfatizado o acesso a direitos sociais e econômicos e, ao mesmo tempo, é privilegiada a formação de comunidades culturais homogêneas com suas próprias organizações – bairros, escolas, igrejas, clubes, associações etc. Na prática, em muitas sociedades atuais terminou-se por favorecer a criação de verdadeiros apartheids socioculturais.

Essas duas posições são as mais desenvolvidas nas sociedades em que vivemos. Algumas vezes convivem de maneira tensa e conflitiva. São elas que, em geral, são focalizadas nas polêmicas sobre a problemática multicultural. No entanto, situo-me na terceira perspectiva, que propõe um multiculturalismo aberto e interativo, que acentua a interculturalidade, por considerá-la a mais adequada para a construção de sociedades, democráticas e inclusivas, que articulem políticas de igualdade com políticas de identidade.



A perspectiva intercultural

Algumas características especificam essa perspectiva. Uma primeira, que considero básica, é a promoção deliberada da inter-relação entre diferentes grupos culturais presentes em uma determinada sociedade. Nesse sentido, essa posição situa-se em confronto com todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais de afirmação de identidades culturais específicas, assim como com as perspectivas assimilacionistas que não valorizam a explicitação da riqueza das diferenças culturais.

Em contrapartida, rompe com uma visão essencialista das culturas e das identidades culturais. Concebe as culturas em contínuo processo de elaboração, de construção e reconstrução. Certamente cada cultura tem suas raízes, mas essas raízes são históricas e dinâmicas. Não fixam as pessoas em determinado padrão cultural.

Uma terceira característica está constituída pela afirmação de que nas sociedades em que vivemos os processos de hibridização cultural são intensos e mobilizadores da construção de identidades abertas, em construção permanente, o que supõe que as culturas não são puras. Sempre que a humanidade pretendeu promover a pureza cultural e étnica, as conseqüências foram trágicas: genocídio, holocausto, eliminação e negação do outro. A hibridização cultural é um elemento importante para levar em consideração na dinâmica dos diferentes grupos socioculturais.

A consciência dos mecanismos de poder que permeiam as relações culturais constitui outra característica dessa perspectiva. As relações culturais não são relações idílicas, não são relações românticas; estão construídas na história e, portanto, estão atravessadas por questões de poder, por relações fortemente hierarquizadas, marcadas pelo preconceito e pela discriminação de determinados grupos.

Uma última característica que gostaria de assinalar diz respeito ao fato de não desvincular as questões da diferença e da desigualdade presentes hoje de modo particularmente conflitivo, tanto no plano mundial quanto em cada sociedade. A perspectiva intercultural afirma essa relação, que é complexa e admite diferentes configurações em cada realidade, sem reduzir um pólo ao outro.

A abordagem intercultural que assumo aproxima-se do multiculturalismo crítico de McLaren (1997). O multiculturalismo crítico e de resistência parte da afirmação de que o multiculturalismo tem de ser situado a partir de uma agenda política de transformação, sem a qual corre o risco de se reduzir a outra forma de acomodação à ordem social vigente. Entende as representações de raça, gênero e classe como produto das lutas sociais sobre signos e significações. Privilegia a transformação das relações sociais, culturais e institucionais em que os significados são gerados. Recusa-se a ver a cultura como não-conflitiva e argumenta que a diferença deve ser afirmada "dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social" (p. 123).

A perspectiva intercultural que defendo quer promover uma educação para o reconhecimento do "outro", para o diálogo entre os diferentes grupos sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural, que enfrenta os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e é capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade.

Para Catherine Walsh (2001, p. 10-11), a interculturalidade é

[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade.

Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.

Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados.

Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade.

Uma meta a alcançar.

Para essa autora, apesar de vários países latino-americanos terem introduzido a perspectiva intercultural nas reformas educativas, "não há um entendimento comum sobre as implicações pedagógicas da interculturalidade, nem até que ponto nelas se articulam as dimensões cognitiva, procedimental e atitudinal; ou o próprio, o dos outros e o social" (p. 12).

Essa autora, coordenadora do programa de doutorado em Estudos Culturais Latino-Americanos da Universidad Andina Simon Bolivar (sede Equador), vem desenvolvendo trabalhos interessantes e inovadores sobre a questão intercultural hoje na América Latina, especialmente a partir da experiência dos países andinos. Afirma que:

O conceito de interculturalidade é central à (re)cons-trução de um pensamento crítico – outro – um pensamento crítico de/desde outro modo, precisamente por três razões principais: primeiro porque está vivido e pensado desde a experiência vivida da colonialidade [...]; segundo, porque reflete um pensamento não baseado nos legados eurocêntricos ou da modernidade e, em terceiro, porque tem sua origem no sul, dando assim uma volta à geopolítica dominante do conhecimento que tem tido seu centro no norte global. (Walsh, 2005, p. 25)

Considero importante neste momento retomar o diálogo com Boaventura Sousa Santos. Para esse autor, as premissas anteriormente enumeradas constituem a base de um diálogo intercultural, imprescindível para a ressignificação dos direitos humanos a partir das questões colocadas pelo multiculturalismo. Esse diálogo vai exigir o desenvolvimento do que ele denomina uma hermenêutica diatópica, assim concebida:

A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi4 de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem [...]. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro noutra. Nisto reside seu caráter diatópico. (Santos, 2006, p. 448)

A luta pelos direitos humanos hoje supõe o exercício do diálogo intercultural que, por sua vez, exige o exercício da hermenêutica diatópica. Esta constitui uma tarefa complexa e desafiante, que está dando apenas seus primeiros passos. São poucos os autores e as iniciativas que se colocam nessa perspectiva. A análise da problemática dos direitos humanos e as práticas sociais orientadas a trabalhá-las ainda estão aprisionadas na matriz da modernidade. Além disso, as concepções dominantes sobre o diálogo intercultural situam-se, em geral, numa perspectiva liberal e focalizam com freqüência as interações entre diferentes grupos socioculturais de modo superficial, sem enfrentar a temática das relações de poder que as perpassam.



Interculturalidade e educação em direitos humanos: principais desafios

Em diferentes trabalhos e pesquisas realizados nos últimos anos (Candau, 1997a, 1997b, 2000a, 2000b, 2002, 2003, 2004a, 2004b, 2005, 2006; Candau & Moreira, 2003), tenho procurado identificar e enumerar alguns dos desafios que temos de enfrentar se quisermos promover uma educação intercultural em perspectiva crítica e emancipatória, que respeite e promova os direitos humanos e articule questões relativas à igualdade e à diferença. Eles apresentam um caráter inicial e exploratório e querem situar-se em diálogo com a proposta do professor Boaventura Sousa Santos.

Foram agrupados em torno de determinados núcleos que considero fundamentais.

O primeiro está relacionado à necessidade de desconstrução. Para a promoção de uma educação intercultural é necessário penetrar no universo de preconceitos e discriminações que impregna – muitas vezes com caráter difuso, fluido e sutil – todas as relações sociais que configuram os contextos em que vivemos. A "naturalização" é um componente que faz em grande parte invisível e especialmente complexa essa problemática. Promover processos de desnaturalização e explicitação da rede de estereótipos e pré-conceitos que povoam nossos imaginários individuais e sociais em relação aos diferentes grupos socioculturais é um elemento fundamental sem o qual é impossível caminhar. Outro aspecto imprescindível é questionar o caráter monocultural e o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na escola e nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares; é perguntar-nos pelos critérios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares, é desestabilizar a pretensa "universalidade" dos conhecimentos, valores e práticas que configuram as ações educativas.

Um segundo núcleo de preocupações relaciona-se à articulação entre igualdade e diferença no nível das políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas. Essa preocupação supõe o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos diversos saberes e práticas e a afirmação de sua relação com o direito à educação de todos/as. Reconstruir o que consideramos "'comum" a todos e todas, garantindo que nele os diferentes sujeitos socioculturais se reconheçam, assegurando, assim, que a igualdade se explicite nas diferenças que são assumidas como referência comum, rompendo, dessa forma, com o caráter monocultural da cultura escolar.

Quanto ao terceiro núcleo, ele vincula-se ao resgate dos processos de construção das identidades culturais, tanto no nível pessoal como coletivo. Um elemento fundamental nessa perspectiva são as histórias de vida e da construção de diferentes comunidades socioculturais. É muito importante esse resgate das histórias de vida, tanto pessoais quanto coletivas, e que elas possam ser contadas, narradas, reconhecidas, valorizadas como parte de processo educacional. Além disso, deve ser dada especial atenção aos aspectos relativos à hibridização cultural e à constituição de novas identidades culturais. É importante que se opere com um conceito dinâmico e histórico de cultura, capaz de integrar as raízes históricas e as novas configurações, evitando uma visão das culturas como universos fechados e em busca do "puro", do "autêntico" e do "genuíno", como uma essência preestabelecida e um dado que não está em contínuo movimento. Esse aspecto relaciona-se também ao reconhecimento e à promoção do diálogo entre os diferentes saberes, conhecimentos e práticas dos diferentes grupos culturais.

Um último núcleo tem como eixo fundamental promover experiências de interação sistemática com os "outros": para sermos capazes de relativizar nossa própria maneira de situar-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido, é necessário que experimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver e expressar-se. Não se trata de momentos pontuais, mas da capacidade de desenvolver projetos que suponham uma dinâmica sistemática de diálogo e construção conjunta entre diferentes pessoas e/ou grupos de diversas procedências sociais, étnicas, religiosas, culturais etc. Exige romper toda tendência à guetificação presente também nas instituições educativas e supõe um grande desafio para a educação. Exige também reconstruir a dinâmica educacional. A educação intercultural não pode ser reduzida a algumas situações e/ou atividades realizadas em momentos específicos nem focalizar sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de um enfoque global que deve afetar todos os atores e todas as dimensões do processo educativo, assim como os diferentes âmbitos em que ele se desenvolve. No que diz respeito à escola, afeta a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens, as práticas didáticas, as atividades extraclasse, o papel do/a professor/a, a relação com a comunidade etc.

Outro elemento de especial importância refere-se a favorecer processos de "empoderamento", principalmente orientados aos atores sociais que historicamente tiveram menos poder na sociedade, ou seja, tiveram menores possibilidades de influir nas decisões e nos processos coletivos. O "empoderamento" começa por liberar a possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de sua vida e ator social. O "empoderamento" tem também uma dimensão coletiva, trabalha com grupos sociais minoritários, discriminados, marginalizados etc., favorecendo sua organização e sua participação ativa na sociedade civil. As ações afirmativas são estratégias orientadas ao "empoderamento". Tanto as concebidas no sentido restrito quanto as que se situam num enfoque amplo, desenvolvem estratégias de fortalecimento do poder de grupos marginalizados para que estes possam lutar pela igualdade de condições de vida em sociedades marcadas por mecanismos estruturais de desigualdade e discriminação. Têm no horizonte promover transformações sociais. Nesse sentido, são necessárias para que se corrijam as marcas da discriminação construída ao longo da história. Visam melhores condições de vida para os grupos marginalizados, a superação do racismo, da discriminação de gênero, da discriminação étnica e cultural, assim como das desigualdades sociais. Outro aspecto fundamental é a formação para uma cidadania aberta e interativa, capaz de reconhecer as assimetrias de poder entre os diferentes grupos culturais e de trabalhar os conflitos e promover relações solidárias.

O desenvolvimento de uma educação intercultural na perspectiva apresentada neste texto é uma questão complexa, atravessada por tensões e desafios. Exige problematizar diferentes elementos do modo como hoje, em geral, concebemos nossas práticas educativas e sociais. As relações entre direitos humanos, diferenças culturais e educação colocam-nos no horizonte da afirmação da dignidade humana num mundo que parece não ter mais essa convicção como referência radical. Nesse sentido, trata-se de afirmar uma perspectiva alternativa e contra-hegemônica de construção social, política e educacional.

A perspectiva intercultural quer promover uma educação para o reconhecimento do outro, o diálogo entre os diferentes grupos socioculturais. Uma educação para a negociação cultural, o que supõe exercitar o que Santos denomina hermenêutica diatópica. A perspectiva intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade.

Termino com umas palavras de Boaventura Sousa Santos (2006), referidas à complexidade e às dificuldades para uma ressignificação dos direitos humanos, para uma concepção intercultural das políticas emancipatórias de direitos humanos:

Este projeto pode parecer bastante utópico. É, certamente, tão utópico quanto o respeito universal pela dignidade humana. E nem por isso este último deixa de ser uma exigência ética séria. Como disse Sartre, antes de concretizada, uma idéia apresenta uma estranha semelhança com a utopia. Nos tempos que correm, o importante é não reduzir a realidade apenas ao que existe. (p. 470)

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